É urgente a luta por uma sociedade mais justa e por um sistema judiciário que não legitime a violência contra a mulher
Não há quem não tenha se indignado com o termo “estupro culposo” que ganhou as redes sociais nas últimas semanas. A expressão não existe e não tem nenhum respaldo jurídico, mas a ocasião que ela foi utilizada está longe de ser ficção. O termo foi usado pelo jornal online The Intercept para resumir a sentença no caso da jovem Mariana Ferrer.
Durante julgamento, a defesa do empresário André Aranha, acusado de estuprar Mariana durante uma festa em Florianópolis, em 2018, e o Ministério Público alegaram que o homem “não sabia” que a vítima não estava em condições plena de consentir com o ato sexual. Além do fato em si já ser lamentável, partes do vídeo do julgamento, também divulgado pelo The Intercept, é de embrulhar o estômago.
Mostra Mariana acuada por três homens, principalmente o advogado de defesa Cláudio Gastão da Rosa Filho. Ele expõe fotos sensuais de Mariana, que era modelo, antes do crime ter ocorrido e classifica as imagens, que foram tiradas antes do crime, como “ginecológicas”.
Prossegue humilhando a vítima e dizendo que “jamais teria uma filha” do nível dela. Se dirige a jovem falando para ela parar com o” choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”. Ainda dá a entender que Mariana estaria chamando a atenção como um modo de ganhar a vida.
“Tu vive disso? Esse é teu criadouro, né, Mariana, a verdade é essa, né? É teu ganha pão a desgraça dos outros? Manipular essa história de virgem?”, disse o advogado durante a audiência de instrução e julgamento.
Mariana, sozinha, chora e pede respeito: “Excelentíssimo, eu tô implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”, diz. O juiz, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, não intercede. Apenas fala que, se ela quiser, pode tomar uma água para se recompor.
O caso repercutiu e fez com que o Senado aprovasse no último dia 3 de novembro, voto de repúdio ao advogado de defesa, ao juiz do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, e ao promotor Thiago Carriço, por suas ações no julgamento. A sentença absolveu o empresário André de Camargo Aranha do crime de estupro e pode ser revista.
Mas ainda que isso se arraste na morosa justiça brasileira, o caso ressalta a situação cada vez mais difícil das mulheres. Não pode, no entanto, servir de base para que as mulheres se calem. Pelo contrário. Nunca a união e a luta das mulheres foram tão importantes. Nenhuma mulher deve aceitar importunação ou violência. Ou ter medo de denunciar assédio por que “não vai dar em nada”.
Vai dar sim. O que não pode é se calar. O avanço do movimento feminista já ganhou várias causas e vem respaldando a sociedade que acredita que a culpa do estupro não é da roupa, da bebida ou do fato da mulher estar sozinha. A culpa do estupro é do estuprador, que deve ser responsabilizado e punido. Estupro é crime e é uma das maiores violências que uma mulher pode sofrer. E se não fosse a nossa luta, o crime ainda seria relativizado pelo casamento das partes, conforme respaldava a legislação até 2005.
Mas avançamos. Não podemos deixar que uma sociedade machista e que a postura conivente do judiciário continue tolerando a violência contra a mulher. O caso Mariana Ferrer mostra que ainda temos muito o que lutar. Que os conceitos machistas estão enraizados na sociedade, mas que é possível acreditar num mundo mais justo. Justiça por Mariana e por todas as mulheres que todos os dias sofrem violência no Brasil e no mundo. Estamos juntas.
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